Com o título Milagres e milhões, a revista Época desta semana fala sobre o apóstolo Valdemiro Santiago e a Igreja Mundial do Poder de Deus, que a revista chama de “o novo império evangélico”
Seus templos têm instalações precárias. A pregação é classificada por alguns como “primitiva”. Há gritos, choros e performances espalhafatosas. Até suas publicações são visivelmente mais pobres que as das concorrentes. Apesar de fazer quase tudo no improviso, a Mundial já é considerada o maior fenômeno religioso do Brasil desde a criação da Igreja Universal, em 1977, sob a liderança do bispo Edir Macedo
Uma característica nova na expansão da Mundial está naquilo que o sociólogo Ricardo Mariano, estudioso de religião na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, chama de “pescar no próprio aquário evangélico”. Estudos sugerem que a maior parte dos seguidores da Mundial veio de outras neopentecostais, principalmente da Universal.
Parte do encanto de Valdemiro está na imagem messiânica que ele construiu em torno de si, contando histórias mirabolantes. A mais espetacular está no livro O grande livramento: ele descreve um naufrágio que sofreu em Moçambique em 1996, quando ainda era da Universal. Valdemiro diz que ele e três conhecidos foram vítimas de uma sabotagem, que fez a embarcação afundar a 20 quilômetros da costa. A partir daí, a história ganha ares cinematográficos.
Outra característica que distingue a Mundial é a sacralização do suor. A cada culto, Valdemiro passa quase três horas no altar. Ali, ele grita, canta, ri, chora, pula, se ajoelha e sua. Sobretudo sua. Quando a reunião termina, seu suor é disputado pelos fiéis. Mais de 200 chegam a cercá-lo. Tremendo, chorando, eles usam toalhinhas fornecidas pela igreja para coletar alguma umidade. Depois, esfregam o pano no próprio corpo, em fotos ou documentos. “A valorização do suor, que ocorre com vários líderes da Mundial, é uma novidade completa entre os protestantes”, diz o sociólogo e teólogo Ricardo Bitun, da Universidade Mackenzie
A Mundial não vive só de inovação. Noutros aspectos, aproveita o know-how dos concorrentes, como a prática de distribuir bens em nome de terceiros para esconder o enriquecimento das lideranças. “A Mundial cresceu muito. Então há coisas que o apóstolo coloca no nome de outros. Eu já tive veículos da igreja em meu nome”, diz Jorge Lisboa, obreiro e assessor da Mundial, presença frequente no altar ao lado de Valdemiro. “O primeiro carro que o apóstolo comprou pela igreja colocou no meu nome. Muita coisa é assim. Sabe por que o R.R. Soares está estacionado? Porque dedicou tudo à família. O dirigente tem de confiar nos outros. Se comprar dez emissoras de rádio, tem de colocar em nome de pessoas diferentes.” O missionário R.R. Soares não respondeu aos pedidos de entrevista de ÉPOCA.
O ex-pastor Rafael Ferreira, um dos raros dissidentes da Mundial, dá detalhes das táticas de arrecadação: “Em Mato Grosso havia uma meta de R$ 1 milhão por mês, além dos R$ 500 mil para pagar a TV. Eu era responsável pelos depósitos. Todo dia ia ao Bradesco do centro de Cuiabá e depositava de R$ 80 mil a R$ 100 mil na conta da igreja”. Ferreira atuou por três anos na Mundial. Ele conta como eram os “cursos de pregação”: “O bispo Sidney Furlan mandava a gente subir no altar e orientava sobre o que falar para comover o povo. Dizia que era preciso fazer um teatrinho, um sensacionalismo para o povo acreditar que a igreja era responsável pelas curas e milagres”. Ferreira, que se diz ex-homossexual, foi expulso da Mundial em dezembro. Ele pede R$ 1 milhão na Justiça por discriminação e calúnia. Os representantes da igreja em Cuiabá não quiseram comentar suas afirmações.
Problemas com a Justiça não são uma novidade para a Mundial. (…) Ainda em 2003, Valdemiro voltou a esbarrar na ilegalidade. Ao renovar a carteira de motorista, usou o RG 16.717.037, que pertence a uma mulher nascida em Paraibuna, no interior de São Paulo. A habilitação, com o número de RG errado, venceu em 2008. Não consta que ele tenha tido problema por ter circulado com um documento com informação falsa.
Com o crescimento da Mundial, o padrão de vida de Valdemiro mudou radicalmente, embora ele continue cultivando a imagem de interiorano simplório diante dos fiéis. Valdemiro mora num condomínio de luxo em Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo. Quando precisa se deslocar, usa dois helicópteros e um jato Citation Excel, de R$ 18,5 milhões, alugado há cinco meses. O helicóptero menor é um Bell Jet Ranger 206B3, avaliado em R$ 1,3 milhão. De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), ele já pertenceu à apresentadora Xuxa. Hoje, está em nome de uma factoring chamada Athenabanco, que diz ter vendido o aparelho à Mundial no fim de 2008, em 12 parcelas. “O pedido de transferência para a igreja está na Anac há dois meses, mas o processo é lento”, diz Robinson Leite, diretor da Athenabanco.
O helicóptero grande é um Agusta A109-C, comprado pela Mundial em setembro de 2009, por R$ 5,1 milhões. Potente, luxuoso e seguro, o Agusta é um dos aparelhos mais cobiçados do mercado. Para embarques e desembarques perto de casa, Valdemiro usa o heliponto de Amilcare Dallevo, dono da Rede TV!. É uma situação provisória (que Dallevo prefere não comentar). Em pouco tempo, Valdemiro deverá construir seus próprios helipontos. A amigos, disse que vai construir um perto de sua casa e outro perto do enorme templo que está erguendo na Zona Sul de São Paulo.
A frota de aeronaves já parece insuficiente para o apóstolo. Há algumas semanas, corretores foram acionados para tentar vender o Agusta por US$ 2,5 milhões. “O plano de Valdemiro é comprar um Agusta Grand, o mais sofisticado da marca, que custa uns US$ 7 milhões”, diz um profissional do mercado. O avião também pode estar com os dias contados. “Eu já disse para o Valdemiro que ele precisa comprar um jato intercontinental. A igreja está em expansão na África”, afirma Ronaldo Didini.
Em seu próprio nome, o patrimônio de Valdemiro é bem menor. Com a mulher, a bispa Franciléia, ele é sócio de uma empresa de comunicação e de uma gravadora de CDs, que trabalham para a igreja. Franciléia é uma loira de 44 anos.
A nova ambição de Valdemiro é política. Seguindo a tendência de outras igrejas, ele quer criar sua própria bancada em Brasília e eleger um representante seu em cada Assembleia Legislativa do país. “A estratégia do apóstolo é lançar só um federal e um estadual por Estado. É para não ter competição interna”, diz Irio Rosa, escalado para ser candidato a deputado estadual no Paraná pelo nanico PSC (Partido Social Cristão). A legenda, cujos maiores expoentes são o senador Mão Santa (PI) e o ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz, deverá lançar a maioria dos candidatos da Mundial. Rosa, exibido constantemente na TV da Mundial, admite que mal conhece o Paraná.“Eu queria sair candidato por Brasília, mas o apóstolo não deixou. Então, faz um ano que estou morando em Curitiba”, diz.
Um dos colaboradores mais importantes de Valdemiro fará dobradinha com Rosa no Paraná. É o executivo Ricardo Arruda Nunes, ex-presidente do desativado Banco de Crédito Metropolitano, conhecido como o banco da Igreja Universal. Nunes diz ser hoje responsável pela “estratégia financeira” da Mundial. Ele já foi investigado pela Polícia Federal e pela Procuradoria da República por suas supostas relações com empresas-fantasmas que teriam sido criadas pela Universal para lavar dinheiro. Agora, prestador de serviços para a Mundial, frequenta os cultos de Valdemiro todo domingo.
Em janeiro, Valdemiro Santiago quase recebeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu altar. A ocasião era um culto no Paço Municipal de São Bernardo do Campo, com público estimado em 50 mil pessoas. Lula chegou a confirmar presença, mas não apareceu, porque teve uma crise de hipertensão. Para representá-lo, compareceram dois petistas: o prefeito Luiz Marinho e o senador Aloizio Mercadante. “Eu não conhecia Valdemiro”, disse Mercadante. “É mesmo impressionante. Ele prega de forma muito direta, autêntica e popular. Lembra as manifestações que a gente fazia aqui neste mesmo lugar com os trabalhadores, um movimento forte, espontâneo e que incomoda as elites.” Mercadante prometeu articular um encontro de Valdemiro com Lula. Até a semana passada, nenhuma reunião tinha sido agendada.
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